domingo, 6 de dezembro de 2009

As colchas




Quando criança minha avó materna fazia belos trabalhos em croche.
No meu quarto e  do meu irmão, colchas e cortinas feitas por ela decoravam o ambiente com conforto e simplicidade. Incrível como ela conseguia fazer o masculino e o feminino com tanta diferenciação, apenas com os pontos de croche que usava.
Lembro dela ter feito uma bela colcha de casal com uma coloração pérola e motivo de rosas para minha mãe. Colcha esta, que não era muito usada e por isso sofria inúmeras reclamações da parte de minha avó.

Quando jovem-adulta, também ganhei dela uma bela colcha branca para a minha cama. Era para eu usar quando me casasse! Na época, vi a colcha como mais uma das colchas de croche da minha avó e dei-lhe importância apenas pelo gesto amoroso. Não a usei por um bom tempo.

Mas, como tudo tem uma primeira vez, lembro nitidamente quando a coloquei na minha cama:
Eu já estava morando junto com o meu marido quando , em um aniversário, acordei com aquela tristeza abafando o peito…lancei mão da colcha de croche ao me lembrar da minha avó e da parceria romântica que tinha com o meu avô.
A lembrança que tenho dela era de uma mulher apaixonada e determinada, seja para conseguir viver  ao lado do homem que ela amava, contrariando todas as regras familiares e sociais, seja para construir uma casa, ou para alfabetizar uma população no interior do Estado do Rio. Penso no meu avô, como um homem forte, aventureiro e turrão. Ele construiu uma escola para a minha avó e ainda foi o merendeiro da mesma. Muito mais tarde, também construiu a casa onde eles dois moraram até o fim de suas vidas.

Portanto, a colcha que ela pacientemente fez para mim, representou isso tudo. Ao colocá-la na cama, tomei outra postura e me senti mesmo dona de uma história feliz.

Dez anos depois, quando me separei,  ao me deparar com o suor e as lágrimas pela mudança, lancei mão de outra colcha feita pela minha avó, que herdei da minha mãe: une diversos retalhos com pontos de croche vermelho.  Esta era uma colcha que minha mãe usava bastante.
Forrar a tal colcha na minha cama e admirar o trabalho feito pelas mãos de minha avó, foi como tomar um tonificante enriquecido. Me senti bem mais forte.

E com isso, ainda desenvolvi uma técnica de conversar com a minha avó de vez enquando e sentir a presença dela nos momentos mais fortes: felizes ou tristes.

Engraçado, que como a minha mãe, a de croche também uso bem pouco. Mas, passei a colocá-la na minha cama em todos os meus aniversários. Já a de retalho é de uso diário.

Seja porque existe nos objetos que nos cercam a energia de quem faz e de quem usa, seja pelo significado de histórias que trazem, as coisas passadas de pai para filho, de avó para neta, de madrinha querida para afilhado, como em um passe de mágica, nos tornam pessoas especiais.



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