segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Lembrança


Aquele instante imóvel na piscina, poderia ser eterno.
Meu cabelo boiando junto ao meu corpo, enquanto eu olhava concentrada as rachaduras entre um azulejo e outro …
Isso acontecia muito na minha infância, dentro e fora d’água: uma possibilidade de me colocar onde eu via e não era vista.
Como um camaleão, eu conseguia sumir, desaparecer em mim mesma…
e a sensação que isso me causava era de extremo conforto. Algo que eu fazia sem nenhum esforço.

Eu era extremamente concentrada, distraída do todo.
Com uma capacidade plena de observar, analisar e compreender; sem falar, sem me mexer e sem chamar atenção.
Aos olhos dos outros eu era meio lenta, talvez até lesa…
Acho que, especialmente para os adultos, essa concentração era irritante, mais do que instigante.
Por ter um olhar interno focado, eu atravessava as coisas e pessoas, antes até de as perceber direito por fora.
Algumas vezes eu conseguia antecipar o que o meu interlocutor iria dizer, o que me causava grande medo.
Sei que isso tudo soa bem estranho…
Várias vezes eu era chamada `a razão por estar “viajando”…
Se as pessoas tivessem se  interessado e feito perguntas, quantas coisas maravilhosas eu poderia ter dito do que vi…e que já não me lembro mais…


O que hoje sei é que eu estava o tempo todo m-e-d-i-t-a-n-d-o.
Estado este que busco agora e que já não é tão simples. Mas, que me é fundamental, como escovar os dentes.
Pré- adolescente troquei este estado “maluco” por outro mais convencional, que me tornou adequada. Muitas vezes, escrever era a única forma de colocar para fora o que eu estava vivendo internamente. Também me trouxe muito conforto na vida. E continua trazendo.



Uma história verídica:


Certa vez sai do hospital onde a minha mãe estava internada, `a pé pelo centro da cidade, neste estado de olhar sem ver. Na verdade, eu não estava na rua me encaminhando ao ponto de ônibus. Eu continuava no hospital, ouvindo o que o médico já havia me dito e vendo todo aquele procedimento repetitivo, e ao mesmo tempo sempre tão diferente, que só entende quem fica algum tempo visitando uma pessoa muito próxima em um estado terminal.
Mas, o meu corpo estava andando para o ponto de ônibus. Lembro que perguntei a uma senhora se eu estava subindo no ônbus certo ao que ela respondeu afirmativamente. Sentei mais ou menos na metade do veículo, do lado direito, na janela. E talvez pela repetição dos meus pensamentos, entrei em um vazio... e apresento uma prova: o ônibus foi inteiramente assaltado e eu não vi, não ouvi e não fui vítima. Desconfio que os assaltantes também não me viram. Quando dei por mim, outros passageiros estavam em pânico, chorando e um dos assaltantes descendo as escadas pela frente, nervoso e armado.
Lembro bem da falação e eu me dando conta do que tinha acontecido. Tanto da moça `a minha frente, quando da senhora atrás eles roubaram pertences e dinheiro…e a minha sensação é realmente de que eu não estava presente. E não devia estar mesmo! Sai do ônibus confusa…como na minha infância fui absorvida para dentro de mim mesma. É a única forma que encontrei para explicar.


2 comentários:

  1. Gostei muito, Lu... mas não me surpreendo em ter gostado.

    Bjos,


    Asclê

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  2. Valeu Asclê!!! Amigo de loonnnga data ! Qdo vc vem ao Rio?

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